O modo de falar do brasileiro(06.05.11)
Toda língua possui variações linguísticas. Elas podem ser entendidas por meio de sua história no tempo (variação histórica) e no espaço (variação regional). As variações linguísticas podem ser compreendidas a partir de três diferentes fenômenos.
1) Em sociedades complexas convivem variedades linguísticas diferentes, usadas por diferentes grupos sociais, com diferentes acessos à educação formal; note que as diferenças tendem a ser maiores na língua falada que na língua escrita; 2) Pessoas de mesmo grupo social expressam-se com falas diferentes de acordo com as diferentes situaçõesde uso, sejam situações formais, informais ou de outro tipo;
3) Há falares específicos para grupos específicos, como profissionais de uma mesma área (médicos, policiais, profissionais de informática, metalúrgicos, alfaiates, por exemplo), jovens, grupos marginalizados e outros. São as gírias e jargões. Assim, além do português padrão, há outras variedades de usos da língua cujos traços mais comuns podem ser evidenciados abaixo.
Uso de “r” pelo “l” em final de sílaba e nos grupos consonantais: pranta/planta; broco/bloco. |
Alternância de “lh” e “i”: muié/mulher; véio/velho. |
Tendência a tornar paroxítonas as palavras proparoxítonas: arve/árvore; figo/fígado. |
Redução dos ditongos: caxa/caixa; pexe/peixe. |
Simplificação da concordância: as menina/as meninas. |
Ausência de concordância verbal quando o sujeito vem depois do verbo: “Chegou” duas moças. |
Uso do pronome pessoal tônico em função de objeto (e não só de sujeito): Nós pegamos “ele” na hora. |
Assimilação do “ndo” em “no”( falano/falando) ou do “mb” em “m” (tamém/também). |
Desnasalização das vogais postônicas: home/homem. |
Redução do “e” ou “o” átonos: ovu/ovo; bebi/bebe. |
Redução do “r” do infinitivo ou de substantivos em “or”: amá/amar; amô/amor. |
Simplificação da conjugação verbal: eu amo, você ama, nós ama, eles ama. |
Veja este texto de Patativa do Assaré, um grande poeta popular nordestino, que fala do assunto:
O Poeta da Roça
Sou fio das mata, canto da mão grossa,
Trabáio na roça, de inverno e de estio.
A minha chupana é tapada de barro,
Só fumo cigarro de paia de mío.
Sou poeta das brenha, não faço o papé
De argun menestré, ou errante cantô
Que veve vagando, com sua viola,
Cantando, pachola, à percura de amô.
Não tenho sabença, pois nunca estudei,
Apenas eu sei o meu nome assiná.
Meu pai, coitadinho! Vivia sem cobre,
E o fio do pobre não pode estudá.
Meu verso rastero, singelo e sem graça,
Não entra na praça, no rico salão,
Meu verso só entra no campo e na roça
Nas pobre paioça, da serra ao sertão.
(...)
Você acredita que a forma de falar e de escrever comprometeu a emoção transmitida por essa poesia? Patativa do Assaré era analfabeto (sua filha é quem escrevia o que ele ditava), mas sua obra atravessou o oceano e se tornou conhecida mesmo na Europa.
Leia agora, um poema de um intelectual e poeta brasileiro, Oswald de Andrade, que, já em 1922, enfatizou a busca por uma "língua brasileira".
Vício na fala
Para dizerem milho: dizem mio
Para melhor dizem: mió
Para pior dizem: pió
Para telha dizem: teia
Para telhado dizem: teiado
E vão fazendo: telhados.